sábado, 31 de dezembro de 2011

Entrevista ao Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ




A seguir vai a entrevista que concedi à jornalista Yara Lopes, do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, na íntegra.




Quando começou o seu interesse por desenhos? Nessa época já pensava em usar isso no seu trabalho?

Assim como a maioria dos desenhistas profissionais, comecei a me interessar por desenho muito cedo, por volta dos três anos de idade já fazia meus rabiscos. Estudei a vida inteira no mesmo colégio e sempre fui autor das capas das revistinhas dos festivais de poesia e camisas das feiras de ciências, e já fazia caricatura dos professores.

 Lá pelo segundo grau eu já desenhava a maioria dos cartazes dos grupos que apresentavam trabalhos e seminários, então passei a cobrar. Não cobrava muito por cada desenho, mas eram tantos cartazes pra ilustrar de tantos grupos de quase todas as turmas que acabava dando um dinheirinho legal. Pode-se dizer que eu já usava desenho no meu trabalho desde essa época.

Como começou a desenvolver um trabalho crítico de cunho político? A entrada na EBA teve alguma influência nesse processo?

Aos onze anos de idade já fazia charges sobre as privatizações no governo FHC. Uma que fiz foi para um trabalho de Geografia, sobre o leilão da Vale do Rio Doce.  Quando fiz estágio em Segurança do Trabalho no porto de Angra dos Reis, havia feito uma série de desenhos sobre situações perigosas no trabalho, para palestras. 

Sempre tive esse negócio de criticar e comunicar através do traço, mas a entrada na EBA influenciou definitivamente. Lá comecei a ter contato com os problemas da Universidade, principalmente pq via, ouvia e vivia as dificuldades dos estudantes. Aí comecei a fazer as charges sobre UFRJ.

Um dos personagens que você mais utiliza nas charges é o ex reitor da UFRJ, Aloísio Teixeira. Houve algum episódio especial para o início dessa saga? Tem alguma charge favorita com esse personagem?

Eu tinha acabado de entrar pra EBA, nem pensava em fazer charges sobre UFRJ na época e só conhecia o Aloísio de vista e de longe, da Aula Magna com Ferreira Gullar, em 2006. Certo domingo, eu ainda calouro, esbarrei com o Aloísio na praia de Ipanema, e o cara me reconheceu! Trocamos uma idéia e cada um seguiu seu rumo.

Mais de um ano depois tava rolando todo aquele barulho do movimento estudantil sobre bandejão e fiz uma tirinha dele comendo mosca e falando “quem disse que precisa de bandejão?” O desenho simplesmente fluiu, como se eu já desenhasse aquele personagem há anos. Essa tirinha é o meu xodó, pq foi onde tudo começou. (risos)

No começo dessa crítica a reitoria, qual foi a reação das pessoas e da própria reitoria? Houve alguma dificuldade em continuar o seu trabalho? Qual ou quais?

Nessa época que eu comecei a fazer as charges do reitor eu estava muito próximo do movimento estudantil. Então as pessoas ao meu redor, como eram estudantes, tinham a mesma visão do que eu e curtiam. Inclusive sempre traziam idéias pra charges. Mas a coisa toda tomou uma proporção enorme quando rodaram um cartaz com uma charge minha do reitor com uma placa vendendo a Universidade. Colaram os cartazes em todos os campi da UFRJ, e isso popularizou o meu trabalho. Logo, grupos do movimento estudantil passaram a se organizar em mutirões pra colar mais charges na UFRJ inteira. A reitoria “caiu na pilha” e publicou um texto no portal da UFRJ que criticava duramente a arte do cartaz.

Pra mim, na época, aquilo foi ótimo! Na minha cabeça, a crítica do meu traço causar uma reação tão abrupta era pq tinha acertado em cheio o alvo. Fiquei tão contente com isso que não percebi que aquele cartaz tinha sido rodado sem minha autorização...

De fato eu só fui me dar conta disso quando aquele grupo do movimento estudantil que me apoiava ganhou as eleições do DCE, em 2008. Se eu puder afirmar que tive alguma dificuldade em continuar meu trabalho, foi nesse momento. Do nada pararam de colar as charges e nem mais queriam falar do assunto.  Fiquei “criticando o reitor” sozinho.  Não foram éticos, ficaram até devendo a xérox das charges por mais de um ano... claro que não foram todos os militantes do movimento estudantil, eu tô aqui falando de um seleto grupo da então direção dos dois coletivos estudantis que formaram a chapa que ganhou as eleições do DCE em 2008. 

Aquilo foi dose, mas sobrevivi. Passei a me dedicar à imprensa sindical desde então.

Você passou da crítica a um trabalho apoiado pela reitoria. Como foi essa transformação?

Não foi uma transformação. Até pq eu não passei da crítica para nada. Meu trabalho é e sempre foi essencialmente crítico. A questão do apoio da reitoria se deu por uma mudança de  postura do próprio Aloísio em relação as charges.  Há pessoas que nos corredores tenham dito, inclusive pra mim, que ele passou a aceitar melhor o meu trabalho quando percebeu que não poderia ser autoritário de me perseguir, e viu nas charges uma oportunidade política de se mostrar democrático e magnânimo. 

Olha, eu acho essa versão da história uma grande babaquice! Pessoas da envergadura e da biografia do Aloísio sabem bem o que é lutar contra a uma ditadura de verdade, portanto conhecem o valor da liberdade e sobretudo da liberdade de expressão. Duvido muito que “me perseguir” ou “tentar me cooptar” tenha sequer passado pela cabeça dele.

O que aconteceu é que a presença das charges no cotidiano da Universidade acabou mostrando que charge é também assunto acadêmico, já que charge é humor gráfico, que humor gráfico é arte gráfica, que é arte. Creio que o apoio da reitoria se deu muito mais pelo debate acadêmico que a exposição de charges levanta do que pelo seu conteúdo em si. 

Qual a importância da exposição "Bye bye reitor- O fim de uma era" para esse momento de mudança e para a sua carreira? Como você se sente com esse trabalho?

Além de ser uma exposição que aborda as questões da própria Universidade, temos aqui algo incrível, que é a junção de três fatos inéditos em 195 anos de EBA e 90 anos de UFRJ: o próprio diretor da Escola de Belas Artes sendo o curador de uma exposição individual de charges, o catálogo ter sido escrito por especialistas e pesquisadores de História da Arte e a presença de um coletivo de caricaturistas – o pessoal do Caricatura Solidária - abrilhantando o evento fazendo caricaturas ao vivo de quem esteve lá.

Pra mim isso tudo deixa um recado muito claro: a maior importância dessa exposição é a mesma que tentamos desenvolver nestes quatro anos à frente do projeto Semana de Quarinhos da UFRJ: ressaltar os Quadrinhos, a Charge, a Caricatura e do Desenho de Humor como manifestações artísticas e de comunicação que merecem seu devido lugar na Academia.

Agora com a posse do novo reitor, como ficarão as charges envolvendo a reitoria? Já tem algum plano?

Estive na posse do professor Levi como novo reitor e quando fui cumprimentá-lo ele disse, com bom humor: “Diego, tenha piedade de mim, tenha piedade de mim!” eu disse: “Rapaz, você deu sorte, eu preciso me formar!!” (risos). 

Não sei como ficarão as charges da gestão da nova reitoria, mas sinceramente eu espero que outros comecem a fazer esse trabalho de crítica social por meio do humor gráfico, até pq a nossa Universidade precisa de pessoas assim, inclusive chargistas que sejam melhores artistas e melhores críticos do que eu.

O chargista é um desenhista ranheta que tenta fazer humor do drama, dos problemas e das contradições da sociedade. Como chargista, eu tentei cumprir esse papel, que é o de e retratar as coisas que aconteciam ao meu redor, e o “meu redor” nesses anos foi a UFRJ. Eu sinto que é o fim de um ciclo de mais de cinco anos de charges que contam uma importante época da história da nossa Universidade. Espero ter sido útil de alguma forma à comunidade acadêmica, seja por fazer rir, revoltar, pensar, concordar, discordar e refletir.

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