O caso dos grampos – quando Veja virou a dona da verdade
A mídia deu total espaço para uma denúncia que não apresentou sequer provas concretas. Afinal, por que a revista tem tanta credibilidade?
Fred Cursino
"No dia 31 de agosto de 2008, o jornal O Globo publicou a manchete: “Gilmar exige que Lula apure se Abin grampeou Supremo”. Exatamente um dia após a divulgação da reportagem da revista Veja – que levantara a hipótese da existência de um esquema de espionagem dentro do governo - a suposta denúncia ganhava destaque num dos jornais de maior circulação no país. Ainda nesse dia, e nos que estariam por vir, o fato receberia a mesma repercussão de outros grandes veículos noticiosos. Assim, o que era apenas uma acusação ainda não bem esclarecida de Veja, virou o centro de discussão na mídia a partir de então.
Provas? Um “diálogo telefônico de pouco mais de dois minutos entre o presidente do Superior Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres (DEM-GO)”, como mostra a reportagem. O material faria parte de um conjunto de informações e documentos aos quais ela teria tido acesso através de um servidor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Nada pôde comprovar ainda que as escutas (se é que existiram) foram feitas pela Abin. A revista alega que a gravação não existe mais e preferiu não revelar a fonte das denúncias. Porém, uma das provas que confirmaria a veracidade de suas acusações, de acordo com a matéria, seria a “constatação de sinais característicos de escutas ambientais após uma varredura feita no gabinete e nas salas anexas do ministro por técnicos do próprio STF”. A informação é falsa. A varredura, realizada no dia 11 de julho, não encontrou nenhum indício de espionagem, como foi inclusive divulgado por diversos veículos na época.
A distorção cometida pela revista não foi sequer tratada na grande mídia, tampouco foi questionada a falta de sustentabilidade das denúncias. De acordo com o professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha) e colunista da Carta Maior, Gilson Caroni Filho, a explicação é simples: “a estrutura narrativa da grande imprensa tem como base o esquecimento. Apostam nisso. Perdem, mais apostam”, afirma.
O motivo disso, segundo ele, seria o fato da mídia assumir o papel de maior partido da oposição: “Não peça a quem ocupa tal papel coisas como isenção, apuração e análise crítica dos fatos”, afirma Caroni Filho.
Quando esta edição do Fazendo Média estiver em circulação, pode ser que o escândalo já esteja abafado e o leitor nem se lembre mais dele. Nesse caso, a polêmica dos grampos terá entrado para a lista de factóides criados pela Veja, ao lado dos dólares cubanos e do caso das FARC – só para citar exemplos recentes."
Fonte - Fazendo Media impresso, outubro 2008
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