Carta de Médica ao Sérgio Cabral , o vagabundo.
"Sabe, governador, somos contemporâneos, quase da mesma idade, mas vivemos em mundos bem diferentes. Sou classe média, bem média, médica, pediatra, deprimida e indignada comas canalhices que estão acontecendo. Não conheço bem a sua história pessoal e certamente o senhor não sabenada da minha também. Fiz um vestibular bastante disputado e com grande empenho tive aoportunidade de freqüentar a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, hojeesquartejada pela omissão e politiquices do poder público estadual. Fiz treinamento no Hospital Pedro Ernesto, hoje vivendo de esmolasemergenciais em troca de leitos da dengue. Parece-me que o senhor desconhece esta realidade. O seu terceiro graunão foi tão suado assim, em universidade sem muito prestígio, curso na épocapouco disputado, turma de meninos Zona Sul ... Aprendi medicina em hospital de pobre, trabalhei muito sem remuneraçãoem troca de aprendizado. Ao final do curso nova seleção, agora para residência.
Mais trabalho com pouco dinheiro e pacientes pobres, o povo. Sempre fui doutrinada a fazer omáximo com o mínimo. Muitas noites sem dormir, e lhe garanto que não foram em salinhasrefrigeradas costurando coligações e acordos para o povo que o senhor nemconhece o cheiro ou choro em momento de dor. No início da década de noventa fui aprovada num concurso para ser médicada Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro'. A melhor decisão daminha vida, da qual hoje mais do que nunca não me arrependo, foi abandonareste cargo.
Não se pode querer ser Dom Quixote, herói ou justiceiro. Dói assistir amorte por falta de recursos. Dói, como mãe de quatro filhos, ver outrosfilhos de outras mães não serem salvos por falta de condições de trabalho. Fingir que trabalha, fingir que é médico, estar cara-a-cara com opaciente como representante de um sistema de saúde ridículo, ter apossibilidade de se contaminar e se acostumar com uma pseudo-medicina édoloroso, aviltante e uma enorme frustração. Aprendi em muitas daquelas noites insones tudo o que sei fazer e gostomuito do que eu faço. Sou médica porque gosto. Sou pediatra por opção e comconvicção. Não me arrependo. Prometi a mim mesma fazer o melhor de mim.
É um deboche numa cidade como o Rio de Janeiro, num estado como o nossoassistir políticos como o senhor discursarem com a cara mais lavada que esteé o momento de deixar de lenga-lenga para salvar vidas. Que vidas, senhor governador ? Nas UPAS? tudo de fachada para engabelar o povão!!!!Por amor ao povo o senhor trabalharia pelo que o senhor paga ao médico ? Os médicos não criaram os mosquitos. Os hospitais não estão com problemasomente agora. Não faltam especialistas. O que falta é quem queira sesujeitar a triste realidade do médico da SES para tentar resolveremergencialmente a omissão de anos. A mídia planta terrorismo no coração das mães que desesperadas correm aqualquer sintoma inespecífico para as urgências. Não há pediatra neste momento que não esteja sobrecarregado.
Mesmo na medicina privada há uma grande dificuldade em administrar uma demandaabsurda de atendimentos em clínicas, consultórios ou telefones. Todos empânico. E aí vem o senhor com a história do lenga-lenga. Acorde governador ! Hoje o senhor é poder executivo. Esqueça um poucodas fotos com o presidente e com a mãe do PAC, esqueça a escolha doprefeito, esqueça a carinha de bom moço consternado na televisão. Faça amudança. Execute.Lenga-lenga é não mudar os hospitais e os salários.
Quem sabe o senhor poderia trabalhar como voluntário também. Chame a sua família. Venha sentir o stress de uma mãe, não daquelas de pracinha combabá, que o senhor bem conhece, mas daquelas que nem podem faltar aotrabalho para cuidar de um filho doente. Venha preparado porque as pessoasestão armadas, com pouca tolerância, em pânico. Quem sabe entra no seu nariz o cheiro do pobre, do povo e o senhor tentavirar o jogo. A responsabilidade é sua, governador.
Afinal, quem é, ou são, os vagabundos, Governador ?"