segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Seis décadas de hipocrisia


Há 60 anos, direita desumana ofusca Direitos Humanos

Por Leandro Uchoas

"Em quantos países a tortura não é utilizada pelo braço armado do Estado, assumidamente ou não? Em que nações as crianças estão, todas, na escola? Há algum lugar onde a lei dá igual tratamento a todas as pessoas? Firmada em 1948 pelas Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um avanço da humanidade, mas ainda está infinitamente longe de ser cumprida, mesmo que parcialmente.

Em seu célebre e famoso texto “Una Invitación al Vuelo”, Eduardo Galeano assim resume: “As Nações Unidas proclamaram extensas listas de direitos humanos, mas a imensa maioria da humanidade não tem mais do que o direito de ver, ouvir e calar”.

Ao ganhar o Prêmio Nobel da Literatura em 1998, quando a declaração fazia 50 anos, José Saramago sublinhava em entrevista essa divida da humanidade. “A situação dos direitos humanos é péssima. Basta fazer um exercício para ver. Faça uma lista dos países que assinaram a declaração. Depois, uma lista dos que violaram os direitos humanos nos últimos anos. Estão todos lá. O documento é o testemunho de uma vontade, mas que ficou limitada ao texto”.

À imprensa caberia auxiliar na educação popular, e cobrar do Estado uma postura de completo respeito aos Direitos Humanos. Mas a grande mídia brasileira não só educa pouco como valida posturas reacionárias do Estado. Primeiramente, não educa porque uma mídia que trabalha a notícia como produto a ser vendido, jamais vai se preocupar com educação. O “produto” tem que se adaptar à vontade do “consumidor”, e precisa ser digerido com facilidade.

Além disso, valida posturas reacionárias do Estado porque, estruturada em valores conservadores, age em defesa de políticas excludentes que, indiretamente, representam um desrespeito completo aos direitos humanos: ampara política de segurança pública de extermínio em áreas pobres, defende programas econômicos que geram exclusão, sustenta projetos liberais de educação e saúde, cobre exaustivamente os conflitos econômicos, e estimula os valores de consumo e culto a celebridades. Ao fazer tudo isso, e por ser hegemônica, a mídia inviabiliza os direitos humanos.

Mais do que isso, o monopólio discursivo que ela representa no Brasil – país onde quase inexiste disputa ideológica na mídia – já é por si só um desrespeito ao artigo 19 da Declaração dos Direitos Humanos, que trata do direito à opinião e expressão. No país em que rádios comunitárias são perseguidas e fechadas, canais de televisão são capitanias hereditárias, e todos os jornais defendem os mesmos valores e grupos político-econômicos, não dá pra acreditar em liberdade de expressão.

Nesse sentido, o mesmo texto de Galeano supracitado, escrito em 1998, fornece uma sentença definitiva. Sonhando com um milênio mais justo, o escritor uruguaio simulava previsões positivas de construção de uma humanidade mais justa. Numa delas, diz: “a comida não deverá ser uma mercadoria, nem a comunicação um negócio, porque a comida e a comunicação são direitos humanos”. Oxalá consigamos tornar o sonho de Galeano real."


Fonte: jornal Fazendo Media impresso, dezembro 2008

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